sábado, 26 de janeiro de 2008

Há estranhos nas escolas

Há uma nova geração de crianças na escola a perturbar a cena pedagógica. Esta constatação advém do trabalho de pesquisa(1) que venho realizando para investigar a entrada e a presença da cultura pós-moderna na escola e sua produtividade na constituição de sujeitos e na conformação das práticas pedagógicas.
Ao falar de "estranhos" refiro-me às crianças e jovens que parecem destoar da ordem escolar. Tem-se a impressão de que estão "fora do lugar". Elas ostentam de forma tão visível e gritante as marcas da espetacularização da mídia e do consumo, que destoam dos ambientes escolares discretos e ordenados; parece que não pertencem à cena pedagógica, que estragam o quadro.
Há indícios de que algumas escolas convivem já com alguma familiaridade, seja com estes estranhos seja com as nuances das culturas que os produzem, mas isto não tem sido a regra geral.
Meu estudo vem focalizando algumas escolas públicas de periferia urbana, freqüentadas por crianças e jovens pobres, que sofrem todo o tipo de privação − material, simbólica, afetiva... Os estranhos que circulam por seus corredores e salas de aula são sujeitos constituídos na cultura do mundo pós-moderno governado pelo mercado. Suas vidas e suas subjetividades estão sendo crescentemente administradas nas sociedades neoliberais orientadas para a movimentação e gerência da economia do capitalismo tardio nas sociedades globalizadas. Em uma lógica onde ninguém pode ficar de fora do consumo, há modos de subjetivação globais, dirigidos a sujeitos com condições individuais muito diferenciadas. E para que nenhum consumidor seja desperdiçado, há versões de produtos adaptadas ao perfil de distintos grupos de sujeitos. As práticas do capitalismo neoliberal dirigidas à promoção do consumo materializam-se em estratégias extremamente sofisticadas, caprichosas, minuciosas, e têm na mídia seu território mais pródigo.
Estojos de canetas e lápis da Hello Kitty e da Barbie sobre as carteiras, cabelos multicoloridos, purpurina nas pálpebras, bonés, camisetas e tênis ostentando logo de grifes famosas, imagens de super-heróis e outros personagens da cultura midiática estampados não apenas nas roupas, cadernos e mochilas, mas também nos corpos dos estudantes são apenas alguns exemplos das conexões entre escola, mídia e mercado. Capturados pelas malhas do mercado globalizado e pelas redes de mercantilização e consumo, crianças e jovens têm sido presas fáceis da imensa teia saturada de imagens, de cintilações sedutoras, que fascinam, interpelam, convocam, regulam e governam.
Os estranhos de nossas escolas públicas não estão desqualificados para os atos de compra, já que o mercado é caprichoso, extremamente elástico e atento às diferenças. Tampouco pode-se dizer deles que se dediquem compulsivamente ao descarte. Talvez o que se possa afirmar é que dedicam-se à fruição, extraindo da posse possível, fugaz ou não, tudo que ela pode oferecer, quase como uma fulguração. Pode-se dizer que esses alunos e alunas são, antes de tudo, consumidores-simulacro constituídos em um trânsito constante entre o "desejo de ter" e a possibilidade de "parecer ter".
Fazem parte do dia-a-dia das escolas que freqüentei meninas e meninos que circulam adotando os trejeitos e adereços de top models, ou de astros da música pop e de programas de TV, de filmes, novelas, seriados e desenhos. Em festejos e comemorações, a opção por simulacros de personagens de shows e outros espetáculos da mídia leva-os ao ápice da excitação.
Os funkeiros-simulacro, por exemplo, dedicam-se a constantes e caprichosos cuidados com o corpo e seus adereços, procurando extrair dele toda a veracidade possível na composição da imagem do funk que seus olhos vêem na TV e em outras mídias. A proliferação de piercings nos corpos das crianças e jovens escolares são marcas ostensivas da intensa dedicação à formatação de eus compatíveis com sonhos, e que possam corresponder às exigências provenientes da exterioridade selvagem da cultura do espetáculo.

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